Sinbaf, 30 de maio de 2016
Foram 18 anos de arbitragem muito bem cumpridos. A trajetória de Lúcio José Silva de Araújo na profissão foi concluída no final de 2015.
Baiano de Salvador, o árbitro da Federação Bahiana de Futebol e da Confederação Brasileira de Futebol se aposentou dos gramados. Ele se despediu da arbitragem no duelo entre Joinville e Grêmio, na Arena Joinville, pela 38ª rodada da Série A daquele ano, como quarto árbitro.
Hoje, já como um ex-árbitro, Lúcio conversou com o portal do Sinbaf e contou detalhes da carreira. O professor de Educação Física revelou seu lado sincero, que para alguns pode ser interpretado como polêmico, abriu o jogo, apontou suas decepções e fez críticas ao que não aguentou assistir e ainda assiste na profissão.
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Lucio recebe premiação de melhor árbitro do Baianão 2015 (Foto: Carlos Santana)
O resultado deste longo e esclarecedor bate-papo você pode conferir abaixo:
Sinbaf: O que te fez escolher ser árbitro de futebol? O que a profissão representa na sua vida?
Lúcio Araújo – Por causa do curso de Educação Física eu acabei entrando na arbitragem. Um amigo meu, Luís Carlos, que foi árbitro, me indicou. Na época, o Garrido (Manoel Nunes), que era meu colega de turma também me incentivou. Resolvi fazer em função da educação física. Depois me apeguei e dei prosseguimento à carreira. Mas, a arbitragem não representa 100% da minha vida profissional, porque sempre tive minha profissão de educação física e depois também me formei em Direito. A arbitragem para mim sempre foi uma renda extra. Me ajudava na renda. Procurei seguir carreira para melhorar a renda da família, mas com o passar do tempo a gente vê q isso é ilusão. Graças a deus procurei ter minhas outras fontes de renda e tive a arbitragem como um bônus. Não posso negar, porém, que a arbitragem me trouxe uma gama de conhecimentos, não só dentro de campo, mas também fora. Me abriu vários leques de amizade, me abriram portas em vários setores. Muitas pessoas que conheço hoje foi devido a arbitragem. Me ajudou na saúde também, pois você começa a se preparar na parte física.
Sinbaf: Quando começou a carreira?
LA – Minha carreira começou em 1997, com o curso de arbitragem, onde já atuava em alguns babas. Depois fiz um estágio no Vitória, onde aprendi muito também. Todos os jogos da divisão de base a gente organizava, escalava arbitragem e atuava também. Foi uma grande escola para aprender lhe dar com futebol, com arbitragem. Depois que me formei, sai desse estágio e segui a carreira pela Federação Bahiana de Futebol.
Sinbaf: Quantos anos teve de carreira e quantos ficou nos quadros da FBF e CBF?
LA – Na FBF fiquei de 1997 até 2015. Na CBF entrei em 2002 e fiquei também até 2015.
Sinbaf: Quantos jogos apitou em toda a carreira? Qual deles considera o mais importante, aquele que nunca esquecerá?
LA – Não tenho noção de quantos jogos apitei, mas foram muitos. Lembro que 1ª divisão apito desde 2002, todos esses campeonatos. Sempre fui um dos que mais apitei. Teve campeonato que apitei 18 jogos. Apitei duas finais, em 2008, com Bahia x Conquista, e em 2015, com Bahia x Conquista novamente. Foram uns dos jogos mais importantes. Também apitei finais de todas as categorias de base.
Sinbaf: A sua despedida aconteceu na última rodada da Série A do Brasileirão 2015, no jogo entre Joinville e Grêmio. O que sentiu quando entrou no gramado sabendo que seria seu último trabalho na arbitragem brasileira?
LA –Sensação de dever cumprido. Ultimo jogo, ultima escala da CBF, ultima escala para jogo. Mas, me senti um pouco desprestigiado também. Eles poderiam ter me colocado para apitar o jogo e não ser quarto árbitro. Não fiquei feliz com isso que a CBF fez comigo. Se era para ser quarto árbitro, poderiam ter me poupado da viagem e me escalado no jogo de Salvador. Mas, eu fui para mostrar que sou e sempre fui profissional. Nunca faltei um jogo, uma reunião ou um teste físico. Fui e cumpri meu papel. Fui muito bem recebido pelos companheiros de arbitragem que lá trabalharam também. Mas, poderiam sim ter me dado um jogo de despedida para apitar na Série A, já que não cheguei a apitar Série A e por motivos deles, pois um árbitro que apita final de campeonato baiano tem totais condições de apitar qualquer jogo de Série A. Tenho duas grandes queixas. Primeiro contra a Federação Bahiana, que nunca me colocou para apitar um BAVI de profissionais, mesmo eu tendo apitado finais de campeonato. Não perdoo a Federação por isso. E depois tenho queixa contra a CBF por não ter me escalado na Série A alegando, segundo eles, que foi porque não apitei BAVI de profissionais. Por isso que a arbitragem baiana está desse jeito. Aqui eles não colocam os árbitros pra apitar jogos importantes, ou quando colocam demoram a tomar essa decisão. A CBF vai e pega esse gancho também. Ainda assim cumpri bem minha parte e fui eleito por dois anos seguidos o melhor árbitro no Baiano. E na CBF, nunca tive uma nota abaixo de sete.
Sinbaf: Como você enxerga a arbitragem brasileira hoje? Evoluiu?
LA – A arbitragem brasileira a muito tempo vem caindo o nível. Primeiro porque as escalas não são distribuídas corretamente. Existe muito apadrinhamento. Muitos árbitros fazem um curso em um ano, no outro já está na CBF e no outro já apita jogo de Série A. Quer dizer, não passa pelas etapas, por Séries D, C e B antes de chegarem a uma Série A. Acho que isso é equivocado, existem muita politica e pedidos a arbitragem e não deveriam existir. Cito o exemplo de Chicão, do Alagoas. Ele fez a reserva comigo em 2007, na CBF. Dois anos depois ele já estava na FIFA e depois saiu por índice técnico. Isso mostra que ele não estava preparado para apitar jogos de Série A e muito menos da FIFA. Mas, através de política e apadrinhamento, ele conseguiu.

Lucio, no centro, entre Jucimar Dias e José Raimundo da Hora (Foto: Carlos Santana/FBF)
Sinbaf: E a arbitragem baiana? Vê novas revelações surgindo que possam manter o nível da arbitragem da Bahia?
LA – Na arbitragem baiana não existe a muito tempo uma renovação. São os mesmos árbitros de sempre apitando. Os novos, que poderiam apitar ficaram velhos porque demoraram de ser usados. Alguns quiseram até desistir. Hoje o nível não está bom. Desde a época que eu apitava já não estava bom. São árbitros faltando pré-requisitos para apitar, até curso faltando. Árbitros sem preparo físico, técnico e psicológico para apitar. Hoje, o nível na Bahia está tão ruim que tem árbitro apitando e ao mesmo tempo sendo assessor. Isso é falta de ética. Como é que você apita e depois vai avaliar um colega que apita também? Isso não existe. O nível está ruim por essas coisas. Não temos renovação e não temos árbitros de qualidade. São poucos de qualidade ai e que podemos citar nomes. São casos de Arilson, Jailson, Gleidson, que já têm experiência. O resto é todo mundo muito novo, a maioria ainda aprendendo a pegar o macete. Ninguém aprende a apitar de um ano para o outro. É preciso pelo menos uns quatro anos apitando primeira divisão para pegar experiência. Mas, aqui tem gente apitando na tora. Aquela história de que se não tem, coloca o que está aí mesmo. Desses novos que tem aí, eu cito o Rafael, que é m excelente árbitro, mas começou tarde, e o Emerson Ricardo. O Emerson começou mais cedo, mas foi prejudicado durante um tempo e agora têm ele como o salvador da pátria. Rafael foi do quadro nacional, depois retirado e ninguém abe o motivo. A Comissão precisa responder qual foi o motivo. Até para ver se a comissão sabe. Porque tiraram alguns árbitros jovens e com potencial para colocar outros de 39, 40 anos, que não tem mais perspectiva no quadro nacional. Não existe critério.
Sinbaf: O que você acha que falta ao árbitro de futebol em termos de apoio e estrutura para desempenhar a profissão?
LA – Fata independência, coragem, postura e personalidade. No dia que o árbitro tiver isso, pode-se dizer que ele terá um futuro brilhante, pois ele não dependerá de ninguém. Mas, hoje o árbitro entra em campo preocupado com a outra escala, tendo que seguir uma cartilha para apitar de novo, não podendo reclamar da cota. Não pode reclamar de viagem, de diária e ainda não pode errar, pois não tem apoio. Além de ser bom tecnicamente, o árbitro precisa disso que citei, de coragem, independência, postura e personalidade. Sobre estrutura falta muito. Não temos um centro de treinamento, uma equipe de treinamento. Não temos profissionais que nos acompanhem. O árbitro treina só, se prepara só, se cuida só e apita só, porque ainda tem colega que lhe prejudica. Falta profissionalismo, definição da lei, para que os Sindicatos escalem os árbitros. Quando isso acontecer, a arbitragem vai ser de qualidade, vai apitar quem estiver bem naquele momento, quem é bom e não quem é parente ou amigo de uns e outros.
Sinbaf: Qual seu ídolo na arbitragem e por quê?
LA – Não tenho ídolos, mas tenho amigos, que de certa forma não deixam de serem ídolos também. São casos de Wilson Luiz Seneme, Wagner Tardelli, Paulo César de Oliveira, Leonardo Gaciba, Sálvio Spínola, Lourival Dias Lima Filho, Simon. São árbitros referência. Aqui na Bahia tenho muita amizade com Arilson, um cara que tem postura, presidente do Sindicato, faz muita coisa pela arbitragem e não é reconhecido pela classe. Tem o Garrido, que é meu amigo desde a Universidade, José Raimundo Dias da Hora, Adson Márcio, Luiz Carlos Silva Teixeira. Os outros foram apenas colegas, não tiveram nem coragem de ligar para me dar um tchau. Convivemos tanto tempo juntos e não tiveram a coragem de se despedir. E tem gente que fica dizendo que ama a arbitragem. Eu sempre fui sincero e nunca disse isso. Eu amo a música. A arbitragem para mim sempre foi uma fonte de renda extra.
Sinbaf: Você ainda trabalha ou colabora, ou pretende colaborar, com a arbitragem fora de campo? De qual forma?
LA – Era preciso termos uma Federação independente. Se pudéssemos ter um curso de arbitragem desvinculado da Federação, pelo Sindicato, eu toparia. Mas, pela Federação não quero, não vou me sujeitar a um monte de normas, a fazer o que eles quem. Tenho que fazer o que acho certo. Mas, na Federação quem trabalha como assessor ou membro da Comissão não faz o que acha certo, faz o que o presidente da Federação acha certo. Isso para mim não dá, não tenho esse perfil.
Sinbaf: Que conselho você dá para aqueles jovens que têm o sonho de se tornar árbitros de futebol?
LA – O conselho que posso dar a quem está começando é que seja independente. Procure estudar, trabalhar para não depender de arbitragem financeiramente. E também tenham independência e posicionamento nas suas opiniões. Que procurem ser justos e não fiquem em cima do muro ou do lado sempre de quem é mais forte. Não se deve fazer arbitragem política para depender de escala e sempre dizer amém o tempo todo. Hoje a gene vê muitos que não reivindicam seus direitos e dizem amém a tudo para serem escalados. Isso não leva a lugar nenhum.
Foto capa: Eliezer Oliveira