POR GIAN AMATO
19/02/2016 6:48 / atualizado 19/02/2016 6:48
Dirigentes da CBF viajam na próxima semana para Europa. Trarão na bagagem a pioneira aprovação da International Football Association Board (IFAB) para o uso do Árbitro de Vídeo (AV) em jogos da Série A deste ano, a partir de 15 de maio. Após ter o pedido negado em 2015, o Brasileiro, a partir de maio, será o primeiro campeonato do mundo a usar imagens para corrigir erros de arbitragem no decorrer das partidas.
– Serão novos olhos para quando o juiz estiver cego – disse Manoel Serapião, ex-árbitro da Fifa e autor do projeto da CBF.
- As etapas até entrar em vigor
- Como funciona
- Erros grosseiros
- Quando usar o vídeo
AS ETAPAS ATÉ ENTRAR EM VIGOR
Trio de arbitragem cercado por policiais em jogo do Campeonato Brasileiro: adoção do vídeo pode servir para reduzir a pressão sobre os juízes de futebol – Nelson Coelho / Agência O Globo
Em meio aos sucessivos casos de erros de arbitragem em 2015, a CBF pediu à Fifa autorização para o uso de imagens. Teve o recurso negado. Mas abriu a discussão na International Board, órgão que regulamenta as regras do futebol, que incluiu a votação para aprovação dos testes na agenda da Reunião Geral, a partir de 5 de março, em Cardiff, no País de Gales.
Antes, o comitê da CBF vai à Londres, na próxima terça-feira, apresentar e debater o seu projeto com a IFAB. Depois, no dia 29, na sede da Fifa em Zurique, na Suíça, uma segunda rodada de reuniões para fazer os ajustes da proposta final a ser levada a Cardiff, onde, enfim, será definida a padronização mundial da regra.
Além do Brasil, nove países se candidataram, mas apenas três matrizes de projeto foram consideradas: a do Brasil, dos Estados Unidos e a da Holanda. As diferenças entre os três seriam pequenas, e a tendência é uma fusão.
A aprovação da nova regra na Reunião Geral da IFAB será feita por meio de voto. A comissão é formada por Inglaterra, País de Gales, Irlanda e Escócia, além da Fifa. Cada país tem direito a um voto, enquanto a Fifa tem direito a quatro. Como já teria indicado a sua tendência a aprovar o teste no Brasileiro, a entidade precisaria de mais dois votos (3/4) para fazer valer a sua vontade.
– O que mudou, de setembro para cá, foram os consensos a cada reunião da IFAB. Em uma delas, os membros disseram que aprovariam facilmente e colocariam em testes já, no Brasileiro, que será o primeiro campeonato a começar. Se fosse o contrário, jamais entraria em pauta na Reunião Geral, onde a Fifa precisa de 3/4 dos votos – disse Serapião.
A primeira indicativa que o Video Assistant, como a IFAB chama a novidade, seria aprovado surgiu durante o encontro anual da entidade, em janeiro, em Londres. A diretoria deu uma forte recomendação para que os testes fossem colocados em prática este ano após a aprovação em Cardiff.
Caso um lance que altere o resultado do jogo ocorra fora do campo de visão do juiz, o AV (árbitro de vídeo) pode revisar o lance O AV então aciona o juiz, por meio de rádio, sem que
haja interrupção* e somente quando tiver absoluta convicção de que a imagem pode corrigir um erro ou mostrar um lance de agressão
O AV atuará em uma cabine privada, auxiliado por um técnico de imagem, e com possibilidade
de replay imediato. Da cabine, ele também terá uma visão geral do campo
Depois de formar sua convicção, o AV informa o juiz imediatamente sobre os detalhes da correção do lance
Dúvida sobre pênalti
O juiz usará um fone receptor Juiz com visão obstruída do lance Técnico de imagem
LANCES CAPITAIS PARA ATUAÇÃO DO AV
Para validar ou anular o gol
Dúvida sobre se a bola saiu pela linha de fundo e ocorreu um gol na sequência
Dúvida sobre se a bola saiu pela linha de fundo e ocorreu um gol na sequência
Gols e pênaltis marcados, possibilitados e evitados em razão de erro em lances de faltas indiscutíveis
Árbitro
Só atuará em lances que não exijam interpretação, que revelem evidente erro do árbitro ou deem certeza de que só não foram marcadas porque não foram vistas
*O jogo somente será paralisado pelo AV nos lances em que a bola entrar e o gol não for marcado, pênaltis não marcados e casos de violência.
O AV não atuará em lances que as imagens não elucidem claramente
Para manter o princípio de igualdade do regulamento, a CBF planeja utilizar equipes nos dez jogos de cada rodada ao custo de aproximadamente R$ 12 milhões este ano. Cada “time” instalado em uma cabine especialmente montada nos estádios será composto por um AV e, ao menos, um técnico para a rápida edição de reprises das imagens, que serão gravadas para consultas posteriores.
Empresas de tecnologia de imagens aplicadas em outros esportes, como o vôlei, já foram consultadas e enviaram orçamentos à CBF. A princípio, seriam até oito câmeras próprias por jogo distribuídas ao redor dos campos da Série A.
– A ideia é evitar que os erros da arbitragem sejam tema em 30 das 38 rodadas do Brasileiro – declarou Serapião.
‘A ideia é evitar que os erros da arbitragem sejam tema em 30 das 38 rodadas do Brasileiro’
– MANOEL SERAPIÃOEx-árbitro da Fifa
A atuação do AV não será indiscriminada e nem precisará interromper o jogo, salvo lances de agressão fora do campo de visão, pênaltis ignorados e bolas que entraram e o juiz não viu. E o árbitro de campo não poderá acionar a equipe nas cabines, somente o contrário, através da comunicação via rádio. O AV estará autorizado a corrigir erros claros, ao menos para as câmeras, que interfiram no resultado.
– Por exemplo: o jogador é puxado fora da área, mas cai dentro, e o juiz, equivocado, marca pênalti. O vídeo está mostrando claramente que é fora. O juiz é informado e, ao invés de marcar o pênalti, revê a sua decisão para marcar falta fora da área. E não precisa parar o jogo, porque o pênalti já estava marcado e, naquele meio tempo entre um lance e outro, o árbitro será avisado – explicou Serapião.
Os árbitros de vídeo serão treinados a partir de março. O perfil é o de juiz experiente, que já tenha atuado em campo e sido instrutor da CBF. Durante o treinamento, Serapião dará exemplos do que pode ou não valer a interferência do AV, mostrando vídeos de lances polêmicos em partidas nacionais e internacionais. Ele fez uma coletânea de erros grosseiros recentes, como o gol de Lampard, da Inglaterra, contra a Alemanha, na Copa de 2010, ignorado pelo juiz mesmo com a bola tendo ultrapassado a linha em 33cm.
– No Brasileiro de 2015, durante um Fla-Flu, o zagueiro Wallace ajeita com a mão a bola, que sobra para Emerson Sheik marcar o gol, que foi validado pelo juiz Ricardo Marques (MG). O juiz marcou o gol para o Flamengo porque não viu, tinha a visão obstruída ou estava desconcentrado. Nesse caso, O AV diz para ele invalidar o gol devido à jogada ilegal – declarou Serapião.
O AV não irá dar informações ao juiz de campo em caso de lances de interpretação, quando há contato físico que terminem em falta ou pênalti, mas que sejam discutíveis. A medida visa a manter a autoridade do juiz principal.
– Um lance no qual há contato físico que descamba para o campo da interpretação, o AV não interfere. Se o jogador é puxado pela camisa até a linha do pênalti, cai antes, mas a imagem não revela com clareza, o AV não interfere, não opina se não houver discussão, porque ele não poderá tomar uma decisão que possa ser contestada depois – afirmou Serapião.
Erros grosseiros
Nigel de Jong dá uma voadora na barriga de Xabi Alonso na final entre Holanda e Espanha na Copa do Mundo de 2010. Apesar da extrema violência do lance, holandês levou apenas cartão amarelo – CARL DE SOUZA / AFP
Os exemplos de equívocos da arbitragem ao longo da história são variados. Injustiças foram cometidas em lances capitais de partidas importantes, até em decisão de Copa do Mundo. Como no caso de Espanha x Holanda, na final do Mundial da África do Sul, em 2010. Uma entrada extremamente violenta do holandês De Jong no espanhol Xabi Alonso foi punida apenas com o cartão amarelo. O auxílio do vídeo poderia ter feito o árbitro americano Howard Webb usar mais rigor no lance, ocorrido na metade do primeiro tempo. A Espanha foi campeã na prorrogação, mas com um homem a mais poderia ter tido uma vitória mais tranquila.
ERROS DE ARBITRAGEM FAMOSOS NO FUTEBOL
Arbitragem: A mão de Deus de Maradona contra a Inglaterra na Copa de 1986
A ‘Mão de Deus’
É o erro mais lembrado da História. Pela importância do jogo (quartas de final de Copa do Mundo) e por seu protagonista. Maradona disputou bola no alto com o goleiro da Inglaterra e desviou com a mão. A Argentina venceu por 2 a 1. Craque também na cara de pau, Don Diego justificou: Foi “la mano de Dios”.
QUANDO USAR O VÍDEO
AGRESSÃO AO ADVERSÁRIO
Dois jogadores se embolam na linha de fundo, e, discretamente, um deles chuta o rosto do outro. O vídeo ajuda a mostrar o que o juiz não conseguiria ver.
DENTRO DA ÁREA OU FORA DA ÁREA?
A bola é lançada para Balotelli, em Itália x México da Copa das Confederações de 2013. Na corrida, ele é puxado e cai. Pênalti ou falta na entrada da área?
COTOVELADA EM LANCE PELO ALTO
Um tipo de lance que costuma ser complicado para o juiz: bola está sendo disputada no alto e de repente escapa um cotovelo. A câmera está lá para acusar.
DIVIDIDA OU FALTA?
Muita vontade na jogada às vezes vira “uso de força excessiva”, como gostam de dizer os comentaristas de arbitragem. No detalhe da imagem fica mais fácil elucidar o caso.
PÊNALTI OU CHOQUE NORMAL?
O goleiro sai para dividir com o atacante, que dá o drible da vaca. Os dois se chocam, e o atacante cai. O vídeo ajuda a saber se houve falta ou apenas uma trombada inevitável.