Sinbaf, 15 de maio de 2015
Foram 24 anos de uma carreira brilhante. Uma trajetória iniciada ainda em 1972 e que carrega feitos memoráveis, como os 22 anos no quadro da CBF e quatro na FIFA.
Esse é um simples e já invejável resumo da carreira de Manoel Serapião Filho como árbitro de futebol. Hoje aos 67 anos, o baiano é o entrevistado do mês do Portal Sinbaf.com.
À reportagem do site, Serapião, como é conhecido contou detalhes dessa trajetória. Relembrou momentos marcantes que o fizeram um profissional de destaque no Brasil e no Mundo.
Mas, o ex-árbitro também não deixou de opinar sobre o momento da arbitragem nacional e falou sobre suas experiências como Instrutor Internacional de Arbitragem e Diretor Adjunto da Área Técnica da Escola Nacional de Árbitros de Futebol (Enaf), funções que exerce atualmente.
CONFIRA ABAIXO O BATE-PAPO COM MANOEL SERAPIÃO:
Sinbaf: O que te fez escolher ser árbitro de futebol? O que a profissão representa na sua vida?
Manoel Serapião: Mero acaso. Anivaldo Magalhães, meu compadre e um dos melhores árbitros de futebol do país em sua época, com quem eu jogava futebol, no antigo campo do SEAM – escola de menores, me inscreveu no curso à minha revelia. Fiz o curso e pronto, não queria apitar. O diretor da escola, também meu amigo Valter Pereira, insistiu para que eu apitasse ao menos um jogo. Resultado, atendi ao pedido e fui mordido pela mosca da arbitragem, que me persegue até hoje, felizmente.A arbitragem para mim foi e continua sendo vida: conquistas, amigos e sucesso. As derrotas e as poucas desavenças fazem parte da caminhada e são motivação para o crescimento.
Sinbaf: quando começou a carreira?
Manoel Serapião: Em 1972, quando ainda havia o velho Campo da Graça e Fonte Nova tinha apenas um anel de arquibancadas. Faz tempo!
Sinbaf: Quantos anos teve de carreira? Por quantos anos integrou os quadros da CBF e FIFA?
Manoel Serapião: Atuei durante 24 anos. Fui da do quadro da CBF por 22 anos e da FIFA por 04 anos. Deixei a arbitragem em 1993, para exercer a Magistratura do Trabalho. Antes, em 1989, havia sido aprovado em concurso para Magistrado da Justiça Comum, na Bahia. Todavia, porque foi justamente nesse ano que fui indicado para o quadro da FIFA, desisti de tal concurso.
Sinbaf: Quantos jogos apitou em toda a carreira? Qual deles considera o mais importante, aquele que nunca esquecerá?
Manoel Serapião: Não tenho certeza, mas por volta de 890 jogos. Houve muitos jogos importantes. Alguns pela repercussão do jogo – BA x VI é sempre BA X Vi –, outros pelo jogo em si. Cito aqui na Bahia um dos Vitoria X Galícia; um dos Galícia X Ipiranga, ambos 1974 e um BA X VI em 1975. Jogos muito quentes com a Fonte Nova lotada. Além desses de casa, houve muitos outros jogos importantes, inclusive 06 semifinais do campeonato brasileiro; 02 finais como Bandeirinha (o Assistente de hoje); 02 finais da Taça de Prata (série B); 02 semifinais da Taça Libertadores; duas partidas pelas eliminatórias do Mundial de 1994. Também não posso deixar de registrar 05 atuações no Mundial de futebol de Salão, em Hong Kong – 1992.
Sinbaf: Como você enxerga a arbitragem brasileira hoje? Evoluiu?
Manoel Serapião: Ao contrário do que muita gente pensa, embora ainda precise evoluir, a arbitragem brasileira é de elevada qualidade. Temos árbitros que sentem o jogo, respeitam as regras e a essência do futebol – verdadeiros árbitros. Acontece que em uma arbitragem, em que são tomadas centenas de decisão, apenas são considerados os erros, pois os acertos não contam. Nós técnicos, todavia, apesar de sabermos que os erros prejudicam os espetáculos e que podem não legitimar o resultado de uma partida – grande objetivo da arbitragem – não podemos enxergar essa atividade por esse ângulo tão estreito, tão limitado. Temos que olhar o todo; a filosofia da atuação; a igualdade de critérios para situações que se enquadrem na mesma moldura; a força e a independência do árbitro; seu equilíbrio emocional para suportar pressão e solucionar os conflitos e os lances difíceis com segurança e serenidae; o posicionamento do árbitro em campo; o trabalho em equipe e muitos outros fatores que, infelizmente, o público e grande parte da imprensa não percebem. Mas gostaria de mencionar a maior conquista da arbitragem brasileira, para o que, modéstia à parte, muito contribui: a independência. Hoje não mais se fala na denominada “arbitragem caseira”. No Brasil, hoje, até mais do que na Europa, nas competições coordenadas pela CBF e sobre o que eu tenho elementos para me manifestar, os times visitantes não receiam pressão sobre os árbitros, pois os times que jogam em casa, na grande generalidade, não desfrutam de qualquer vantagem. Tanto que no Brasil os times que jogam em casa vencem apenas 51% do jogos. Esse percentual é de 63 na Europa. Tudo porque quando a CA-CBF, presidida com muita competência por Sergio Correa, percebe falta de estrutura emocional, de independência em algum árbitro procura detectar a causa, lhe dar apoio psicológico e orientação técnica e passa a acompanha-lo com muito cuidado, analisando seu desempenho em jogos de menos apelo midiático, pois para a CBF todos os jogos têm o mesmo valor. Essa é uma conquista e um valor que muito orgulha a nós anônimos que cuidamos da arbitragem brasileira e, por consequência, de nosso futebol, pois sem boa arbitragem não há bom futebol.
Sinbaf: E a arbitragem baiana? Vê novas revelações surgindo que possam manter o nível da arbitragem da Bahia?
Manoel Serapião: Acho que a Bahia tem renovado pouco. Passou muito tempo sem realizar curso. Todavia, alguns jovens árbitros já revelam capacidade para que sejam observados e incentivados a seguirem a diretrizes acima. O renomados árbitros baianos são tão bons quanto os melhores do país.
Sinbaf: O que você acha que falta ao árbitro de futebol em termos de apoio e estrutura para desempenhar a profissão no país?
Manoel Serapião: Antes de tudo, uso de tecnologia para lances capitais, sobretudo para aqueles em que a limitação humana, em razão da velocidade atual do futebol, não pode ou tem elevada dificuldade de perceber. Tenho um projeto sobre o uso de tecnologia, já muito divulgado no Brasil, mas que, agora, como membro do TAP/IFAB terei oportunidade – como já fiz na recente reunião de que participei em Londres – 26 a 29/04/2015 – de defender a ideia com mais força. A ética e a essência do futebol clamam por resultados sempre justos. Logo, a impossibilidade visual de alguns lances não pode continuar alterando os resultados das partidas; colocando a capacidade dos árbitros em xeque, quando não sua dignidade; gerando frustração e violência. O futebol precisa se livrar do abominável conceito de ser o esporte onde a “malandragem” é natural. Precisa, pois, passar a ser o esporte da ética plena. Isso ajudaria, inclusive, a educar de modo correto nossos jovens, pois aquele que, por hipótese, praticasse uma simulação, em lugar de ser aplaudido, seria orientado a atuar corretamente. Um aviso aos que não conhecem os estudos – seja por falta de oportunidade, seja pela adoção da abominável postura do “não li e não gostei” –, ou, ainda, por serem conservadores só por conservar e não por conhecimento: A TECNOLOGIA PODE SER USADA SEM QUE SEJA NECESSÁRIO, SALVO EXCEPCIONALMENTE, PARALISAR O JOGO, MAS, AO CONTRÁRIO, LHE DARIA BEM MAIS DINÂMICA.
Sinbaf: Em suas viagens pelo Mundo como instrutor e assessor de arbitragem, o que você vê de diferença entre a arbitragem brasileira e a de outros países?
Manoel Serapião: A arbitragem brasileira, sobretudo em razão das dificuldades que nossos jogadores, em razão de nossa cultura, criam para os árbitros, está no nível das melhores e bem acima da maioria dos demais países. O público só vê os jogos importantes e de grandes competições de outros, nos quais só atuam os árbitros de elite. No Brasil, realizamos mais de 1.000 jogos por ano e com árbitros ainda em preparação. Os erros, em comparação com os acertos e com toda a técnica empregada, são em número bem reduzido. Os maiores e mais graves erros de arbitragem do mundo foram cometidos por grandes árbitros de outros países. Somos os melhores!
Sinbaf: Você acha que o futebol caminha para uma padronização internacional da arbitragem? Por quê?
Manoel Serapião: Já há um padrão universal, embora com distinções peculiares. Se o futebol é universal, tanto a forma de jogar, como de arbitrar, sobretudo no mundo globalizado, é um caminho sem volta.
Sinbaf: Fale mais sobre sua atuação na ENAF. Quais projetos a Escola tem para serem colocados em prática em 2015 e nos próximos anos?
Manoel Serapião: Da ENAF sou o Diretor Adjunto da Área Técnica, ou seja, o responsável direto pelos seguintes aspectos da arbitragem: revisão e atualização anual do livro de regras e de todas as suas normas; orientação aos árbitros sobre interpretação das regras, especialmente sobre a razão de ser de cada diretriz, que sempre tem que ser compatível com a essência do futebol; sobre a técnica de arbitragem, envolvendo posicionamento, deslocamento, controle de jogo, trabalho em equipe; ademais, tem a responsabilidade de traçar as diretrizes sobre lances de elevada dificuldade de interpretação, de modo a aproximar o mais possível os critérios de interpretação. Essa responsabilidade pessoal, todavia, é apenas institucional, pois tudo é feito em conjuntos com meus pares da própria ENAF, Alício Pena Junior, que é o presidente; Ana Paula Oliveira que é a Secretária; Marcio Verri Brandão, que é o Adjunto Administrativo, bem como e principalmente sob a supervisão geral de Wilson Seneme que é o coordenador nacional e de Sérgio Corrêa presidente da Comissão de Arbitragem e de sues pares Nilson Monção, que é o vice-presidente e Antônio Pereira que é o Secretário, ambos da indicada comissão. Nosso trabalho é contínuo, incessante, exaustivo, até estressante, mas altamente gratificante porque trabalhamos em ambiente de plena confiança e respeito – as divergências são expostas com absoluta lealdade e os vencidos seguem rigorosamente a decisão da maioria. Mas nossa gratificação se dá ainda mais porque recebemos respostas muito positivas do qualificado e digno quadro de árbitros brasileiros.
Sinbaf: Voltando mais um pouco no tempo, você foi o representante brasileiro no encontro do IFAB. Quais os objetivos da associação? O que se discutiu nesse encontro?
Manoel Serapião: Após 129 anos de existência, a IFAB – International Football Association Board, mais conhecida como International Board, admitiu ouvir o mundo da arbitragem por completo e criou um Conselho Técnico Consultivo – TAP – Technical Advisory Panel. Esse conselho é comporto por alguns membros da FIFA e da própria I. Board e por mais 06 membros representando as 06 Confederações que representam os 05 continentes do mundo. Em razão disso, eu fui honrado com a indicação de meu nome por Sérgio Correia, presidente da CA-CBF e a aprovação pelos José Maria Marin e Marco Polo Del Nero, então presidente e Vice-presidente da CBF, hoje com cargos invertidos e do Dr. Juan Ángel Napout, Presidente da CSF – Confederação Sul-americana de Futebol, para compor o referido Conselho, na qualidade de representante da Confederação Sul-americana de Futebol. Esse Conselho tem por objetivo assessorar a FIFA e a I. Board sobre as regras do jogo. Lá discutimos os assuntos que estão em pauta e emitimos nossas opiniões e sugestões. A decisão final, por questão estatutária, compete à BOARD. Na primeira reunião, ocorrida em Belfast – Irlanda do Norte – 24 e 25/11/2014 – discutimos os temas relativos a impedimento; bola na mão; substituições volantes; tripla punição (pênalti, expulsão e suspensão automática de jogadores que impedem gol ou clara oportunidade de gol); uso de equipamentos por jogadores para verificação de desempenho; e uso de imagens ou símbolos por jogadores (tatuagens). De tudo, foi lavrada uma ata, pelo Secretário da IFAB, Sr. Lukas Brud, e encaminhada à FIFA e à própria BOARD. Nessa segunda reunião, ocorrida em Londres – Inglaterra – 26 a 28/14/2015 – discutimos os mesmos temas da anterior, à exceção do aspecto relativo à tripla punição, uma vez que na primeira sessão concluímos o assunto, cuja decisão está sob a natural responsabilidade da BOARD, o mesmo que passou a ocorrer com as demais matérias, pois todas elas foram concluídas nessa segunda reunião. Também nessa segunda reunião foram discutidos mais dois assuntos: quarta substituição em jogos que tenham prorrogação, sendo essa proposta de nossa Confederação Sul-americana e uso de tecnologia pelas arbitragens. Em que pese não haver sido adotada nenhuma decisão conclusiva sobre a primeira matéria – 4ª substituição –, o conteúdo das discussões será levado à IFAB, que deliberará sobre se os argumentos foram conclusivos ou necessitam de mais aprofundamento. Sobre a segunda matéria – uso de tecnologia pelas arbitragens – é evidente que ainda haverá muitas discussões, valendo dizer que encaminhamos nosso projeto pessoal, já do conhecimento de todo o Brasil, o qual, a nosso sentir, é mais avançado do que o que nos foi exposto – experiência realizada na Holanda –, pois nosso projeto é aplicável apenas para lances claros, ou seja, não de interpretação, que possam interferir diretamente nos resultados das partidas (gol ou pênaltis marcados/não marcados ou evitados) e expulsão de jogadores que pratiquem conduta violente ou jogo brusco grave indiscutíveis. Além de nossa participação nas discussões e do encaminhamento de nosso projeto sobre o referido uso de tecnologia, também oferecemos sugestão, em nome da CBF, para que seja criado um “GRUPO DE ESTUDOS”, para alterar alguns pontos das regras e para realizar uma nova redação completa do livro, de modo a lhes dar harmonia completa com a essência do futebol e linguagem mais simples e objetiva, seguindo a filosofia de não retirar o árbitro o poder/dever de sentir o jogo e decidir de acordo com as circunstâncias das partidas, por ser essa a essência da arbitragem e do próprio futebol.
Sinbaf: Para encerrar o que você tem a dizer àqueles jovens que iniciaram agora ou sonham em entrar na carreira da arbitragem?
Manoel Serapião: Sigam sempre o caminho da retidão; nunca façam política fora, nem ajam politicamente dentro de campo; torçam sempre por seus companheiros, pois a nobreza de espírito é o único caminho para o triunfo e a inveja é o veneno do invejoso; preparem-se para enfrentar desafios; dominem as regras do jogo e a técnica de arbitragem; não desanimem e se perdoem quando errarem, mas, principalmente, aprendam com os erros; e sejam humildes, escutem efetivamente os conselhos, pensem sobre eles e seja sábio para separar os bons dos ruins. De um homem é possível, muito provável fazer um bom árbitro, mas de um bom árbitro não se faz um bom homem!
*Fotos: Carlos Santana e Arquivo / WEB
Fonte: Sinbaf